Sob o olhar severo e sereno de Tiradentes, que nos espia através das figuras de pedra e sonho do Aleijadinho, cercados pelo espírito de Vila Rica e pelo ferro do chão de Minas, queremos pensar o Brasil. Como escravos acorrentados ao tronco do Tempo, duzentos anos caminharam em silêncio, arrastando pelas estradas do Brasil o pesadelo de uma frustração: a Independência.”Tal dia é o batizado”, avisou o Alferes civil da Liberdade.
Não se celebrou o batizado, mas a senha célebre ficou.
E eis que retomamos o sonho! E daqui, deste recanto de Minas, esculpido no espírito e enevoado de ferro, lançamos agora a nova senha: “Tal dia é o casamento”.
O Brasil que ficou pagão de liberdade, pela amargura de um batizado que não houve, quer realizar agora o casamento essencial do Estado com a Nação, do Povo com a Independência, do Futuro com a Soberania.
A Inconfidência Mineira e o fato maior, a viga mestra de nossa historia.
E não há corda no mundo que possa enforcar o sonho de um povo que vislumbrou a grandeza de seu futuro, apontado pela mão pioneira de um Herói popular. A cabeça de Tiradentes pende ainda do alto do mastro, que grita no meio da Praça, chamando cada um de nos, do fundo de dois séculos de ominoso silêncio.
E é aqui e é agora que se vai processar, simbolicamente, aquilo que a feliz expressão do poeta SANTIAGO NAUD preconizava, em recado a nos dirigido: o momento esperado, em que “Tiradentes vai recuperar sua cabeça!” Tremei, Silvérios de todos os matizes, ostensivos ou encapuzados: a Inconfidência está de volta e veio para vencer. E o Brasil esmagara todos os Barbacenas e todas as Marias-loucas, de além e de aquém mar.
Vamos assistir aos momentos decisivos desta secular guerra de nossa Historia: a guerra dos dois Joaquins. Quanto a nós, ficamos inarredavelmente, com o Joaquim positivo: o Xavier.
Que os negadores do Brasil continuem onde sempre estiveram: com o Silverio, que era dos Reis, enquanto o outro era do Povo. Que pretende esta nova Inconfidência? O mesmo que pretendia a outra: a libertação do Brasil. A diferença está em que esta, amadurecida pelo tempo, não esbarra mais naquele “vil comodismo”, de que se lamentava o Alferes, eis que o destinatário da libertação – o povo brasileiro – já se libertou do imobilismo, quando se derramou em multidões por todas as praças do Brasil, nos comícios das “Diretas já!” Falhou a Inconfidência porque o evento esperado da “derrama” foi suspenso pelo aviso da traição, mas a nova não pode falhar porque – agora – a derrama já se consumou e já o nosso ouro é levado, aos borbotões, no amaldiçoado “quinto” dos juros sem contenção.
Fomos alertados pela arguta constatação de CELSO BRANT: “Ao tempo de Tiradentes, éramos subcolônia de uma colônia.
Hoje, somos colônia de um duplo colonialismo, um – externo – que nos devora ate as vísceras, pelo canibalismo monetário, outro – interno – que nos imobiliza na inação, pela cumplicidade das lideranças arcaicas, carcomidas pela incompetência.”Aqui é o lugar e agora é o momento para que seja retomada a Inconfidência Mineira, já num plano mais largo e num patamar mais alto, para que ela se desenrole como a Inconfidência Brasileira.
O Brasil e uma nação enforcada. Enforcada pela mesma mão e pela mesma corda que enforcaram Tiradentes: a mão e a corda da dominação estrangeira. Mas nos, nesta noite, começamos a desapertar este no: TIRADENTES vai recuperar sua cabeça e o Brasil vai encontrar seu destino. Daqui, de São João d’El Rei, de onde escrevemos esta carta, sob a luz mortiça dos lampiões iguais aos que alumiaram o pálido perfil de Marília e de Dirceu, guardaram os passos furtivos dos conspiradores da liberdade e choraram a morte atropelada do Herói da Inconfidência, buscamos o destino do Brasil destinatário. Carta escrita com sangue não derramado, mas palpitante, e selada com o timbre forte da mais autentica voz de Minas. Não basta chorar o Mártir: é urgente retomar-lhe os passos. Por isto e para isto é que estamos aqui. Para dizer ao Brasil que a Inconfidência continua e que Tiradentes não morreu. Os Inconfidentes queriam a Liberdade, nos queremos a Libertação. Eles contavam com alguns padres, nos temos uma Teologia. Eles sonharam o Brasil, nos vamos construir a Nação.
A Revolução Brasileira se fará com palanques e não com patíbulos. Nossa bandeira é uma vela a nossa frente e nos arrasta sobre o oceano popular. Abriremos nosso caminho a forca de nossos anseios, porque o futuro e a nossa bússola, o progresso é o nosso barco e a liberdade é o nosso porto.
Ontem: colônia.
Hoje: satélite.

Amanhã: BRASIL.

Oscar Noronha Filho.
São João d’El Rei, 21 de abril de 1986.

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